Fraternidade e diálogo: compromisso de amor

A Campanha da Fraternidade é uma oportunidade que nos é dada, todos os anos, a fim de nos levar a uma espiritualidade mais profunda, e, cada vez mais encarnada. É quando assumimos uma dimensão social para rezar e partilhar, fazendo cada vez mais concreto o ideal de “fé e obras” proclamado tantas vezes por Jesus e seus primeiros seguidores. “Reze como se tudo dependesse de Deus e trabalhe como se tudo dependesse de você” (Santo Inácio de Loyola). Os exercícios da campanha coincidem propositalmente, por excelência, com o período quaresmal, reforçando o intuito de provocar em nós o sentido de conversão interior no âmbito da consciência; e prática, tornando real em nossas vidas aquilo que rezamos e meditamos.

“Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”. Eis o tema que nos é dado, e, inspirado pelo lema que está no texto sagrado da carta de São Paulo aos Efésios: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2, 14).  A Campanha da Fraternidade de 2021 está na fileira das campanhas ecumênicas realizadas pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em parceria com outros segmentos doutrinários do cristianismo, através do CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), responsável pelo texto base da campanha deste ano que, desta vez, coloca em foco a própria ideia do diálogo ecumênico, e, nos dá pistas para o diálogo inter-religioso, fazendo assim ecoar os clamores do Concílio Vaticano II.  “Este Sagrado concílio, portanto, exorta a todos os fiéis a que, reconhecendo os sinais dos tempos, solicitamente participem do trabalho ecumênico”. (Unitatis Redintegratio 4).

Resgatamos para o diálogo temas importantes, alguns, já vivenciados em campanhas anteriores, e outros, frutos de uma observação atenta à nossa realidade.   A Campanha nos leva a caminhar com os discípulos de Emaús; ouvindo atentamente à voz do mestre, devemos utilizar da velha metodologia do “ver, julgar e agir”: Ver situações específicas que marcam a vida do nosso povo; Julgar, questionar a situação à luz da fé cristã; Agir com um coração convertido capaz de romper a indiferença e gerar frutos de amor, cuidado e serviço.  Todo esse esforço torna também cada vez mais evidente o trabalho pastoral incentivado e vivido pelo Papa Francisco, que, através de suas encíclicas nos lança novo ardor para a missão. De forma muito particular na Fratelli tutti, que, vem totalmente de encontro com a Campanha da Fraternidade deste ano. O que, de certa forma, nos respalda no pensamento da universalidade para dizer que, de fato, tudo está interligado, e, precisamos buscar constantemente comunhão com tudo e todos em favor do bem comum, da casa comum, da harmonia e da paz.  O Santo Padre, a seu modo, nos aponta sempre à  uma bonita consciência cristã e consequentemente uma consciência cada vez mais humana e verdadeira.  Como dirá o escritor português José Saramago: “Apenas sei que o mundo necessita ser mais humano e essa é uma revolução pendente, uma revolução que, para além disso, deveria ser pacífica e sem traumas porque seria ditada pelo sentido comum”.  (JOSÉ SARAMAGO in: ABC -El suplemento semanal-, Madri , 28 de maio de 1995).

Pensar em ecumenismo não significa desejar a anulação da própria doutrina e cultura para acolher o outro, mas  afirmar a nossa fé, de forma autêntica, oferecida, dada e inspirada por Jesus Cristo, que, através do amor e da fraternidade nos convence que temos muito mais em comum do que poderíamos imaginar. Não há necessariamente a intenção de formar uma unificação entre os segmentos doutrinários cristãos, mas criar laços de unidade, de estreita comunhão em busca do bem comum. “A solução não é uma abertura que renuncie ao próprio tesouro. Tal como não há diálogo com o outro sem identidade pessoal, assim também não há abertura entre povos senão a partir do amor à terra, ao povo, aos próprios traços culturais. Não me encontro com o outro, se não possuo um substrato onde estou firme e enraizado, pois é a partir dele que posso acolher o dom do outro e oferecer-lhe algo de autêntico. Só posso acolher quem é diferente e perceber a sua contribuição original, se estiver firmemente ancorado ao meu povo com a sua cultura”. (Fratelli tutti 143)

É fato que ao decorrer da história pudemos presenciar aquilo que poderíamos chamar de “catástrofes religiosas”, onde a religião, de modo geral, não cumpriu o seu papel revelado pela etimologia da palavra, mas afastou de Deus os homens, e, estes criaram muros entre si. Porém, estes muros também não foram  capazes de gerar proteção. Além das divisões, fomentaram guerras reais e morais, criaram um estilo de violência sem precedentes que escreveu uma história trágica em nossa humanidade, e, que continua a nos ferir: seja nos discursos odiosos pregados, nas linguagens que utilizamos em si ou na crueldade dos atos. Precisamos, mais do que nunca, sermos capazes de romper com estes muros, e, ao olhar para o outro lado tomar consciência de que lá existe vida, um coração que pulsa como o nosso, e, está sujeito a todas as dores e alegrias assim como também estamos nós.  Destruir muros é reconhecer a imensidão do jardim, e, o quão belo pode ser o jardim do outro, mesmo que lá as flores sejam de outras cores ou que o riacho, pela posição das pedras, toque uma canção diferente da nossa.  Talvez pensar o ecumenismo, seja como que construir jardins sem necessidade de muros e cercas, e disto, Deus agrada, afinal, o livro do Gênesis poeticamente nos conta que o próprio Criador passeava pelo jardim à brisa do dia. (Gênesis 3,8) “Nós não podemos invocar Deus, Pai de todos os homens, se nos recusamos a comportar-nos como irmãos para com alguns homens criados à imagem de Deus. A relação do homem para com Deus Pai, e a relação do homem para com os outros homens seus irmãos, encontra-se tão ligadas entre si que a Sagrada Escritura diz: ‘Quem não ama, não conhece a Deus’- 1jo 4,8- (Nostra Aetate 5)

O fato é que nem tudo são flores, e, não podemos correr o risco de romantizar toda essa ideia. O diálogo é sempre algo muito exigente, e, não pode ser feito a qualquer modo, por isso, a Igreja nos propõe a Campanha da Fraternidade como meio de reflexão, oração e construção de possibilidades de um diálogo pacifico, concreto e integral, afinal, são muitos os aspectos que em unidade com nossos irmãos, sobretudo, de outras Igrejas cristãs, que,  podemos levar em conta para fazer reinar a paz e a justiça do Reino de Deus pregado e ensinado por Jesus de Nazaré, o centro e vida de toda comunidade cristã.

Cientes do caminho que nos é proposto, podemos também evocar como experiência a metáfora Coliniana da idéia de “ser ponte”.  Nosso Pai fundador, o venerável João Cláudio Colin, sempre trazia em suas falas essa ideia; Esta dita metáfora no sentido mais simples de sermos verdadeiramente canal de graça e misericórdia. Apesar do fundador ser um homem para além do seu tempo, é praticamente óbvio,  justamente pelo tempo e contexto  em que vivia,  que, ele não se referia ao ecumenismo, mas o sentido de suas palavras não estão muito longes do intuito da CFE de fomentar o diálogo e o amor, e, exclamar que Cristo é a nossa paz!  Ser ponte, neste caso, é ser presença comprometida diante do que nos propõe a CFE; é ser ao mesmo tempo protagonista e auxílio ao protagonismo de nossos irmãos e irmãs.

No entanto, para isso, é preciso que nos construamos, nos formemos, assim como são feitas as pontes físicas. É necessário criar a Engenharia da conversão, do diálogo e do comprometimento.  É de suma importância, ao construir uma ponte, averiguar o terreno, fazer a fundação dos alicerces e por fim se remeter à ponte em si. O nosso caminho não pode ser diferente, é necessário passarmos também nós, de forma figurada, por esses passos: Necessitamos averiguar a situação em que se encontra os trabalhos da Igreja que fomentam o diálogo, perceber nossa abertura e a de nossos irmãos, construir sólidos alicerces com o estudo constante da palavra de Deus e da doutrina para oferecer algo genuíno aos outros e estar apto a receber as novidades que advém dos nossos irmãos e irmãs, e, por fim, estabelecer o diálogo fraterno, tendo a certeza de que é o próprio Cristo, nossa paz, que nos une em seu imenso amor.

Matheus Abreu,  marista leigo

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