VENERÁVEL JOÃO CLÁUDIO COLIN, NOSSO FUNDADOR

 

João Cláudio Colin nasceu na França, numa aldeia chamada Barbery, na pequena cidade de Saint Bonnet Le Troncy, em  07 de agosto de 1790, um ano após estourar a sangrenta Revolução Francesa. Ele era o oitavo filho de Jacques Colin e Maria Gonnet. Como muitas famílias francesas, os Colins sofreram violenta perseguição por não apoiar ou aceitar a Revolução. Seu pai, Jacques, vivia escondido na floresta de Brest. O terror estava por toda parte. A infância de Colin coincidiu com a fase mais truculenta e cruel daquela que viria a ser uma das Revoluções mais sangrentas da história da humanidade.

Colin se via órfão de pai e mãe antes mesmo de completar 5 anos. A senhora Maria Gonnet faleceu aos 20 de maio de 1795, aos 37 anos de idade. Menos de três semanas depois, em 09 de junho de 1795 falecera seu pai, Jacques Colin, aos quarenta e oito anos. No leito de morte a mãe do pequeno Colin havia dito aos filhos que “a única mãe que eles tinham era a sua mãe celestial, Maria, a mãe de Deus[1].

Colin adotara de fato Maria como sua mãe. Sua grande devoção a Nossa Senhora não teria mais fim. A mãe do Filho de Deus tornara-se para ele uma boa mãe. Todavia, ele nunca esqueceria sua mãe Maria Gonnet. Em 1848 Colin relatou a Mayet como era o seu relacionamento com sua mãe:

Nunca esquecerei a bondade da minha terna mãe. Durante os últimos anos da sua vida, embora eu fosse tão novo, nunca me cansei de olhar para ela; só fixar meus olhos no rosto dela me fazia tão feliz. Quando tinha cinco ou seis anos e voltava de caminhar, a via de longe, corria na sua direção, pulava sobre seu colo, pegava seu rosto nas minhas pequenas mãos e a cobria de beijos. Ela não me impedia. Então eu descia e ficava contente.[2]

Esta relação filial e bonita que Colin teve com sua mãe ele também teria com Maria Santíssima. Esse amor que se criou na infância se evidenciaria mais tarde. Quando soube da ideia de fundar uma congregação dedicada a Maria, Colin, de imediato disse a si mesmo: “isto me convém”.[3] Uma vez admitido nesse projeto ambicioso, iniciado por João Cláudio Courveille, no Seminário de Santo Irineu, ele não sairia jamais. É, precisamente, essa devoção mariana o primeiro aspecto da personalidade de Colin.

Após a morte de seus pais, o pequeno João Cláudio, junto com seus irmãos, foram criados pelo tio paterno, Sebastião. Este era muito amável para com os sobrinhos. Quem ajudou Sebastião a cuidar dos pequenos órfãos foi Maria Échallier. Esta era extremamente severa com as crianças. Além disso, Échallier era uma jovem demasiada puritana, o que fez com que educasse as crianças numa moralidade muito severa, principalmente no que concerne a sexualidade. João Cláudio Colin teve profundos impactos psicológicos em virtude da educação dada por Maria Échallier.

João Cláudio Colin entra para o seminário. Parece obvio concluir que o seu sonho era tornar-se padre. Errado! Sua intenção de entrar para o seminário era de se isolar do mundo, estar só com Deus. Ele queria encontrar um lugar onde pudesse fazer suas orações e praticar suas penitências. Na casa de seu tio era muito difícil, pois ele queria rezar à noite, mas seu tio Sebastião não o permitia. Ele, no entanto, esperava o tio dormir e, depois, levantava-se para continuar as suas orações. Também, ele praticava penitências físicas, possivelmente usando a camisa de pele e uma disciplina fora do comum.[4] Na casa onde eles moravam parecia, para o jovem Colin, um espaço inapropriado para realizar o seu mais profundo desejo: “ser eremita e morar na floresta para estar sozinho com Deus.” [5] A família Colin já não morava no vilarejo de Barbery, mas na própria cidadezinha de Saint Bonnet Le Troncy. Isso também foi um empecilho, pois ele já não tinha os vales perto do vilarejo para se isolar do mundo. Por tudo isso, o seminário parecia ser, para Colin, o melhor lugar para se refugiar do mundo.  Lá, ele pensava encontrar um espaço propício para a solidão, igual aos momentos que ele passava nos bosques de Barbery. Ele se enganou. A vida no seminário não era tão solitária assim. Um outro aspecto marcante da infância e juventude de Colin é justamente esse desejo profundo de estar a sós com Deus, refugiar-se no silêncio para suas orações e penitências.

O jovem Colin  “era tímido por natureza e tremia com medo pelo menor barulho, ele amava a escuridão, a profunda solidão do bosque”[6], e também gostava muito de ler. A abertura à vontade de Deus leva à conversão, e conversão contínua. Tal conversão leva à santidade.

Agora Colin já não é criança ou adolescente. Ele está para completar vinte e seis anos e se encontra no pequeno Santuário de Nossa Senhora de Fourvière, na colina de Fourvière, na cidade de Lião, França. Ele não está sozinho, outros onze jovens sacerdotes recém-ordenados estão com ele. Dentre esses onze, Courveille – o líder, Champagnat, Declás e Terraillon. Todos jovens sonhadores. É uma manhã do dia 23 de julho de 1816 e, ali, eles prometem solenemente consagrar suas vidas a Deus e a Nossa Senhora, e a fundar uma Congregação que leve o nome da Santa Mãe de Deus. Aqui destacamos um traço marcante da personalidade de nosso fundador: um homem apaixonado, desses que constroem a sua vida em torno de um objetivo, de uma ideia.[7] É esse sonhador que vai morar em Cerdon, ajudar seu irmão Pedro no ministério paroquial. É o mesmo que vai subir as montanhas do Bugey para converter as pessoas e, ao mesmo tempo, ser convertido por elas.   Mas, antes disso, uma forte experiência o marcou. Não dessas experiências estritamente espirituais, mas, experiência fortemente humana. Humana porque prevalecia de início o medo.  O cardeal Fesch, tio de Napoleão, forçou os seminaristas a pedirem o subdiaconato. Colin entra em pânico. Mas, “como poderia receber o subdiaconato, ele que no seu coração sentia que não desejava continuar em frente com o sacerdócio?”.[8] Podemos nos envolver com o drama de Colin na narração de Donal Kerr:

Desesperado, ele corre para ver seu diretor espiritual e pedir para ele tirar seu nome da lista de ordenação. Seu diretor, Jean Cholleton, um novo sacerdote, apenas escassos dois anos mais velho do que ele, o aconselhou para deixar seu nome e permanecer. Colin não ficou satisfeito. Então começou o conflito. Veio de novo não menos de quinze vezes a bater na porta de Cholleton até que, finalmente, seu diretor abalado foi forçado a fechar a porta para ele. Desiludido, Colin se dirigiu para ver o superior, Gardette, que o conhecia desde os dias em Saint-Jodard. O agitado Colin se lançou sobre os seus joelhos perante ele e suplicou que o retirasse da lista. Gardette respondeu gentilmente, mas lhe falou que se ele fizesse isso, Cardeal Fesch ficaria furioso com ele, e lembrou Colin que se ele não recebesse as ordens, ele teria que entrar no exército. “Bem, então”, respondeu Colin em extrema angústia, “prefiro entrar no exército!”  Tendo falhado com Cholleton e com Gardette, faltava só um recurso para Colin – um apelo para o mestre de cerimônias que era o responsável por redigir a lista daqueles chamados pelo bispo no dia da ordenação. O mestre de cerimônias era Padre Jean-Marie Mioland, um gentil-homem que se preocupava muito com os estudantes, e para ele Colin então recorreu. Mioland escutou-o e, para alivio de Colin, concordou em retirar seu nome da lista dos ordinandos. Esta euforia durou só dois dias. Foi seguida por um período de culpa porque começou a cobrar-se por atuar por própria satisfação. Não teve descanso até que ele foi de novo procurar o seu diretor. Cholleton foi gentil, não cobrou nada dele, mas o escutou e lhe aconselhou colocar seu nome na lista de novo. Ele fez isso e, no dia 6 de janeiro de 1814, na festa da Epifania, Fesch conferiu as ordens menores e o subdiaconato a ele e para trinta e três estudantes mais.[9]

O peso na consciência revela uma abertura a vontade de Deus e uma negação de sua própria vontade. A narração é bonita e parece uma luta de Colin não com seus superiores no seminário, mas com sua própria vontade e a vontade de Deus. Aqui é apresentado um aspecto forte de conversão, pois revela a acolhida por parte de Colin da vontade divina, a mudança de postura diante da vocação. Ele deixou de ser um jovem eremita no seminário – e passou a ser um seminarista, às portas da ordenação. Essa aceitação o ajudou a enfrentar o temido ministério sacerdotal.

Sendo ordenado padre no dia 22 de julho de 1816 (um dia antes da promessa de Fourvière), João Cláudio parte para o vilarejo de Cerdon, ajudar seu irmão Pedro no serviço paroquial. Aquele menino tímido, solitário, não muito sociável, que gostava da solidão nos bosques de Barberry, em Cerdon, transforma-se em eloqüente pregador. Sua timidez não o impede de tornar-se um grande líder. De fato, Cerdon foi um lugar de transformações significativas. João Cláudio, trabalhando com seu irmão Pedro na Paróquia em Cerdon, começa por tomar frente no projeto da Sociedade. Ainda é uma postura muito discreta, mas o suficiente para torná-lo, mais tarde, o grande líder de todos os maristas.

A consolação em Deus, nos anos de ministério em Cerdon, o sonho da Sociedade de Maria, e o desejo ardente de contribuir para a implantação da Sociedade o fez começar a escrever as primeiras Constituições. Nas palavras de nosso fundador: “o impulso que me levou a fazer isto foi menos um impulso voluntário de minha própria escolha, que um impulso interior, e diria um impulso quase irresistível, com a convicção que a Sociedade era parte do plano de Deus, que teria sucesso, sem saber como ou por que meios, nem se o meu trabalho teria algum dia algum uso.”[10] Se podemos dizer que tal experiência, impulso interior, a tomada de liderança, que o motivou a começar a escrever as Constituições em Cerdon é uma graça, podemos afirmar também que foi motivada por iniciativa humana. Os anos de graça ocasionaram uma mudança interior em Colin, em sua personalidade, em suas convicções. É precisamente isso que afirma Coste, citado por Kerr: “as ‘graças’ de Cerdon não consistem em algo que seja misterioso e milagroso senão num “crescente núcleo de convicções acerca da Igreja, do mundo, da Sociedade de Maria”, que veio a Colin durante aqueles anos de graça.[11]

Colin havia recebido no Seminário de Santo Irineu uma formação moral das mais rígidas possíveis. Os manuais de moral eram muito distantes da realidade, utópico decerto. Colin passou por mudança de suas convicções de teologia moral. A experiência de Cerdon e, sobretudo, as experiências de missões populares nas montanhas do Bugey, tornaram nosso fundador um adepto convicto da teologia moral de Santo Afonso de Ligório. João Cláudio passou de uma teologia austera, fruto do Jansenismo a uma teologia da misericórdia. Com efeito, a misericórdia passará a ser um ponto forte na espiritualidade marista vivida pelos Padres Maristas. Nesse aspecto, Donal Kerr não hesita em utilizar a palavra conversão. E a utiliza em várias momentos no capítulo 15 de seu livro. Três são as explicações da conversão de João Claudio Colin à teologia moral de Santo Afonso de Ligório: a encíclica Caritate Christi, do Papa Leão XII, publicada no Natal de 1825 e muito recomendada por Dom Devie, bispo de Belley; os livros mesmos de Santo Alfonso Maria de Ligório, que Colin havia lido; por fim, a reflexão de Colin, da sua própria experiência missionária nas montanhas do Bugey, que provavelmente sela sua conversão ao Ligorianismo.[12]

 

[1] KERR, Donal. João Cláudio Colin, Marista. Dublin: Columbia Press, 2000, p. 19.

[2] Ibid, p. 19.

[3] LESSARD, Gaston. Tornar-se Marista. Publicação própria, 2001, p. 27.

[4] KERR, Donal. João Cláudio Colin, Marista. Dublin: Columbia Press, 2000, p. 46.

[5] OM, doc 499, i.

[6] KERR, Donal. João Cláudio Colin, Marista. Dublin: Columbia Press, 2000, p. 24

[7] Entrevista com o Pe Coste SM. Revista Mensagem (Boletim do Instituto dos Irmãos Maristas da Escola), p. 5.

[8] KERR, Donal. João Cláudio Colin, Marista. Dublin: Columbia Press, 2000, p. 75.

[9] KERR, Donal. João Cláudio Colin, Marista. Dublin: Columbia Press, 2000, p. 79.

[10]  KERR, Donal. João Cláudio Colin, Marista. Dublin: Columbia Press, 2000, p. 138.

[11] Ibid, p. 140.

[12] Cf. KERR, Donal. João Cláudio Colin, Marista. Dublin: Columbia Press, 2000, p. 223.